domingo, 9 de outubro de 2011

Fala, Drummondoeira!



Há tempos mudamos as coisas, o tempo não nos deixa voltar, assim como quem rabisca à caneta não pode voltar atrás quando erra, pois mesmo um corretivo não restaura a naturalidade, nem devolve à folha suas linhas.
Como aqueles que mudam para melhorar, que definem suas linhas e rabiscos, sem regressar e sem deixar intervir o corretivo.Volta o cronista à sua cidade, a boa e velha Itabira, enche os pulmões de ar fresco (?) e do doce cheiro do orvalho, comum nas madrugadas, quando alguns pequenos raios de sol anunciam a aurora de um novo dia.
Andando pelas ruas de sua cidade, agora pavimentadas e bem iluminadas, não permitindo mais aquela sensação de estar perdido em meio ao nevoeiro matutino, ele vem caminhando serenamente, olhando os arredores e observando prédios - antes apenas pequenos casebres e latifúndios -, postes com fios de eletricidade, telefonia e tv a cabo. Sentia a estranha sensação de que havia algo perdido naquela fotografia, que nunca mais ousaram contemplar os olhos.
Chegando à porta de casa fitou o horizonte da rua, viu árvores secas, já sem folhas, e também algumas com poucas folhas marrons ameaçando cair ao soprar do vento. Olhou então adiante e viu uma árvore toda florida, sorriu, já sabia quem era.
A boa e velha amendoeira, ali, guerreira, tentando cumprir seu ciclo anual, obedecendo àquela natureza que o homem engoliu. Como se já soubesse, não perguntou: “Fala, amendoeira!”; pois ela sorria em suas flores brancas e anunciava o ápice da primavera, por causa da qual as abelhas e beija-flores já vinham-lhe  continuamente. Como mistério desmistificado, dirigiu-se então ele a uma árvore próxima. Esta, árvore muito robusta e jovem, com apenas uma sutil flor desabrochada, sentia-se dividida entre seus galhos secos e os poucos que resolviam então dar folhas e botões, enquanto as outras árvores preferiam permanecer no inverno triste e seco, este mais fácil e sem muita dor. Contemplou o belo esforço e perguntou à árvore, sorrindo: que tens, Tabebuia. Ela então respondeu:
- Olhe aquela árvore, a amendoeira, já está linda e florida, não vês? Até os pássaros já vem para beijá-la. Veja, estamos em novembro, o ápice da primavera, eu costumava ter muitas folhas durante todas as estações, o meu florir é em meadas de Julho, mas vês que o verão já vai chegar e eu ainda outono. Hoje não consigo mais que pequenos botões, minhas flores não vingam, não consigo folhear, sinto-me cansada, o ar está cada vez mais carregado, nem mesmo consigo regular meu ciclo frutífero.
Mas que tens tu? Porque esta insatisfação? Tens já folhas a nascer aqui e ali, olhe tuas irmãs, todas secas e tristes, porque não te alegra com o que tens? - Questionava ainda à jovem árvore.
- A vida está difícil, confusa para mim; tento sorrir, mas é como se me faltassem os dentes! Imagine sorrir sem eles... assim me parece sem as flores. O clima castiga-nos como um verão, porém mais quente que o habitual, e os invernos? Castigam-nos com um tempo seco, em que a água já não nos vem mais abundante, nem sequer dormimos bem a noite, sob luz de refletores... e ainda somos jovens! Durante o dia o Sol esconde-se de nós boa parte do tempo atrás de nuvens acinzentadas, que anunciam uma chuva que não virá. E assim não te sentirias se te machucassem a face e pedissem-lhe para sorrir? Vou secar e morrer sem sequer ter florido!
Já vivi muitas primaveras e me adaptei, veja minha amendoeira, está florida, e por quê? Porque ela sabe que não há mistificação na morte, que virá a velhice e que não haverá mais frutos, ou folhas, e nem mesmo os pássaros virão beijá-la, por isso ela mantém seu ciclo, já que o ciclo foi-lhe dado pela Mãe de todos! Que venham as estações, que mude o clima, ela resistirá. - Insistia o velho em dizer ao jovial Ipê.
- Não é assim tão fácil, mesmo tendo se adaptado, sofreu com as mudanças, e no auge da juventude sua amendoeira tinha uma vida mais fácil, a natureza fazia seu trabalho: mandar a chuva, dar a luz necessária para a fotossíntese... Nós retribuíamos com flores e frutos! Era assim na época de meus antepassados. Eu, jovem Ipê-amarelo que sou, ainda não dei minhas flores! A natureza parece cansada, como patrão que tenta em vão manter uma fábrica aonde os funcionários não obedecem. Mesmo sendo um Anjo torto, sacrifício necessário para crescer entre fios e concreto, mal posso dar sombra aos que querem. Se sou fraca e estou abandonada, a quem recorrer? Vocês já não ligam, não se preocupam tanto conosco, se preocupam com teus edifícios sólidos e este mundo que criaram, e que fazem com tuas mãos sujas? Lavam-nas?
- Sim já sujei muito minhas mãos, hoje não as tenho, nem detenho o poder para consertar só, aquilo que te atormentas, vejo a cansada natureza sim, me compadeço! Mas que fazemos todos? As estações caminham, não? Na vida aprendi a ser poeta, e já fui outono, inverno, primavera e verão. Já vem o socorro, não te preocupes, pois os meus saberão que quando a água não mais for limpa, o sal do mar não será para nós remédio e logo tudo mudará. Mesmo se a primavera vir tardia uns poucos a contemplarão, nós ainda lutamos para recuperar o tempo perdido, este que nunca fora nosso, e tentamos reparar os rabiscos errados, mesmo sabendo que o corretivo não é muito preciso, que faltarão linhas, sim, mas a folha ainda estará lá, e com certeza nós a reciclaremos. As coisas ainda podem mudar! Não te entristeças!
- Não irei, mas só quero poder dar os frutos e perpetuar futuras gerações, este é meu desígnio não? Continuarei a tentar a primavera, mas espero que vocês me ajudem, pois até mesmo o mais incansável trabalhador desiste quando não é recompensado, e eis que assim penso de nossa Mãe, que cuida dos filhos, mas que uma hora morrerá, e como substituir a matriarca de tudo isso que você viu crescer? Reciclem a folha, mas não deixem que as linhas que nela já vieram gravadas se percam. Apenas queremos dar-lhes frutos, ou vislumbrar-lhes as flores primaveris com a mesma dignidade que sua alma ainda tem para outonar, e seguir suas estações.
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Escrito num dia em que muito calor fazia!

domingo, 18 de julho de 2010

Ode à roda da Fortuna


"Criais o destino que enclausura
Vós que maculais a'lma e petrificais o coração
Vós que em que não há verdade ou redenção
Legais a mim a vida com usura

Diz-me o destino, a elegia dos sons
Mostra o caminho maldito pela fé
Ocultais a beleza contida no tripé
Vede o que reservado é aos que não são bons

Cantai a mim a minha sorte
Rogo-vos, que seja a morte
E, em profunda alegria,

Legarei minha sina à Corte,
Entregarei minh'alma ao açoite,
e velar-vos-ei eterno, noite e dia."



Feito em noite de tempestades, na qual em mim imperava a iniquidade.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Neogótico



O poeta que havia em mim de súbito,
Incognoscível, e até Inexplicávelmente,
morrera! Com isto apenas silêncio...
nada mais. Calou-me a voz tão volúvel!

Perdera de minha infância a flor tênue
E atada à asa a que me ativera
Vi meus sonhos, gris, de horror a ruir.
Mas, ressuscitado ante os Deuses fora.

Agora vivo da imortal quimera a
Imponente volta inquietante de
Sonhar louco a tudo, obstinada fera,
Tão relutante, hesitante e austera.

Borboletas azuis sangrando fel,
Tanto a doçura do amaro ardume
Quanto este negro odioso mel
Impelem-me a tê-lo, amado costume!

A Fênix arde e assim evanesce
As flores, com doce olor hipnótico
Fazem com que em mim o amor se alastre e,
De volta à escrita, sou poeta, neogótico.





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Como fênix, das cinzas, surge poesia... Estou de volta, espero reestabelecer a casa, saudações plurisensíveis a todos.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Canção?


Tu és tudo que eu quero e nego, não levo

Uma carta de amor? A ti não escrevo

Longe de ti, para sempre? Não vivo!

Mancha de sangue em meu peito, não lavo!


Te encontro num salão vazio

Tocando só e, ao te ver, estremeço, me arrepio

E calado, mudo, fujo, arredio

Buscando, em outro mundo, meu coração, mas partí-o.



Eu te conheço,
Tenho-te tanto apreço
que Eu me desconheço,
e, te amando, envelheço!






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"Em um momento reflexivo de uma existência inflexível..."

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Azul

E nos teus olhos vi o brilho do amor
teu sorriso, pedaços de mim refletidos
e um céu inteiro a me encarar
Vermelho, inflamando de cor
Azul, e os teus cabelos, riscos prateados
de um tom escuro, no ar a pairar
Alvo à luz, brilho e calor
Almas partidas, sentimentos indomados
Vida, renascimento, a aurora a cantar
Filho do sol, filho da luz, sem dor
Ilumina o céu, a terra, findados
E traz de volta a mim, do mar,
a lembrança de ti, amor.

domingo, 9 de setembro de 2007

Dos períodos de fúria femininos e de como se originaram.


Contemplava o mar, o som da alma ecoando no espaço do tempo, ela não piscava, inerte, pálida. Sentia-se no ar uma nostalgia de algo desconhecido, uma sensação doce, não era tristeza, e era saboreada e ingerida a cada gole da taça do vinho que tinha em mãos, era algo maior que a simples tristeza, naquela noite em que a lua brilhava esplendida no céu, e o reflexo turvo no calmo oceano a estremecia. Os lábios manchados, não por sangue, talvez sim, mas pelo sangue dos deuses, vinho embriagante. Levava sobre os olhos a cor púrpura, profunda, profunda e intensa, contrastada aos seus olhos negros. Não chorava, porque não lhe cabia tal sentimento... Muitas imagens, estas nítidas e vivas, passavam diante de seus olhos, homens que já possuíra, as noites lascívias e libidinosas que passara, os homens que se sacrificaram por ela, ou que tiraram a própria vida por não suportarem não possuírem-na.
Então que ela começou a sentir, vibrante e encantador um som, sentia cada acorde, cada nota, de uma misteriosa flauta, ecoante, que se misturava ao canto do oceano, era um som confortante, sentia o abraço da música, era familiar, aquela sensação, em seu útero. Uma música poética que se incandescia, como se cada palavra fosse chama, cada verso mudo a incendiava conduzindo-a a um transe completo. Não sabia de onde vinha o som, pois o som não vinha de lugar algum. Estava ali, na pele dela, tocando-a intimamente e quem levava os acordes ao seu ouvido era Zéfiro, que a espreitava e acariciava-lhe os cabelos. Sentiu então um torpor, acompanhado de um súbito desejo, enquanto a flauta ia ficando cada vez mais audível, e o som já podia até ser visto, enquanto as imagens iam esmaecendo, a ponto que, em certo momento, ela já não as enxergava.
Foi se entregando então, entrando no mar, tirou logo o longo vestido vermelho e, nua, abraçou a Posseidon, que já a aguardava, tramando possuir aquela que das espumas do mar nasceu, e que enlouquecia a muitos dos Deuses e mortais com seus encantos, enquanto Dionízio a encantara anteriormente pelo vinho, para que estivesse mais suscetível ao doce som de Pan, levado pela velocidade e sutileza de Zéfiro, feito este que se deu todo mediante a um acordo entre os deuses que tramavam tudo para a seduzir.
Ninguém resistia aos encantos da flauta de Pan, e sobre as influências do vinho das carícias sutis do vento, até mesmo uma Deusa poderia se entregar a estes encantos. Mas eis que enquanto Afrodite se entregava ao mar os três deuses também a cobiçaram e reclamaram ao Deus dos mares o direito de ela também possuirem, como já era antes acordado, pedido este negado por aquele que desejava um filho da Deusa, e que fechou as portas de seu palácio, tornando os mares tão furiosos que seria impossível aos três deuses chegarem até o mausoléu das águas.
Então Pan tocou sua flauta novamente, mas desta vez um som bruto, agressivo, e que foi carregado sobre o oceano todo por Zéfiro, de forma a ecoar em cada canto do palácio marinho a ponto de atingir os ouvidos da Musa que despertou de sua hipnose, sentindo nos lábios um amargoso sangue, que ora fora vinho, e uma fúria digna de alguém que estava prestes a perder algo muito valioso, e então afastando a Posseidon, disse que aquele trote não passaria impune, furiosa esbravejava-lhe todos os maus nomes do Hades e jurou que tanto ele quanto todos os homens sentiriam a fúria das mulheres de agora em diante e sempre em um determinado período, uma das fases lunares para cada mulher, para lembra-lo sempre do que tentara e qual preço haveria de pagar por tudo isso. E como tal maldição fez com que cada uma das mulheres tivesse a sua fase a seu tempo, o seu período fértil e, junto a isso, seu momento de fúria e caos sobre os homens. Assim cunhou-se o martírio mensal dos homens perante suas divas e musas, e assim foi a vingança dos deuses sátiros, que não sofreriam tais ameaças, visto que sua música e seu vinho têm o poder de encantar e embriagar as mulheres, continuando assim suas festas a estarem sempre repletas de belas ninfas e bacantes. E ainda hoje os homens inteligentes apelam a estes dois deuses, o do vinho e o da música, para conseguir dissuadí-las de sua fúria e possuir delas o que tanto Posseidon lutou e não conseguiu.


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Feito em uma noite em que o mar minha'lma engolia, e um pouco de mim se resolvia...

quarta-feira, 5 de setembro de 2007



Ó chuva! Sobre mim
cais, inunda,
por mais que eu confunda
Não sinto um fim. 

Sei que tu, eu sinto,                                                  
me muda,e assim me 
desnuda, como se
O que sou fosse extinto

E o instinto grita
Me faz fera
ferida, que ruge austera
E que luta, se irrita

Essa chuva que me devolve
à brava natureza
deixa-me a incerteza
de tudo aquilo a que envolve!

É tempestade, tormenta
uma luta incessante
que ao meu coração amante
intriga e ao mal fomenta.

Chuva, vá, vá embora
e devolva a mim o que sei,
pois, desde que vos versifiquei
Tudo cá, cá dentro chora!