domingo, 9 de setembro de 2007

Dos períodos de fúria femininos e de como se originaram.


Contemplava o mar, o som da alma ecoando no espaço do tempo, ela não piscava, inerte, pálida. Sentia-se no ar uma nostalgia de algo desconhecido, uma sensação doce, não era tristeza, e era saboreada e ingerida a cada gole da taça do vinho que tinha em mãos, era algo maior que a simples tristeza, naquela noite em que a lua brilhava esplendida no céu, e o reflexo turvo no calmo oceano a estremecia. Os lábios manchados, não por sangue, talvez sim, mas pelo sangue dos deuses, vinho embriagante. Levava sobre os olhos a cor púrpura, profunda, profunda e intensa, contrastada aos seus olhos negros. Não chorava, porque não lhe cabia tal sentimento... Muitas imagens, estas nítidas e vivas, passavam diante de seus olhos, homens que já possuíra, as noites lascívias e libidinosas que passara, os homens que se sacrificaram por ela, ou que tiraram a própria vida por não suportarem não possuírem-na.
Então que ela começou a sentir, vibrante e encantador um som, sentia cada acorde, cada nota, de uma misteriosa flauta, ecoante, que se misturava ao canto do oceano, era um som confortante, sentia o abraço da música, era familiar, aquela sensação, em seu útero. Uma música poética que se incandescia, como se cada palavra fosse chama, cada verso mudo a incendiava conduzindo-a a um transe completo. Não sabia de onde vinha o som, pois o som não vinha de lugar algum. Estava ali, na pele dela, tocando-a intimamente e quem levava os acordes ao seu ouvido era Zéfiro, que a espreitava e acariciava-lhe os cabelos. Sentiu então um torpor, acompanhado de um súbito desejo, enquanto a flauta ia ficando cada vez mais audível, e o som já podia até ser visto, enquanto as imagens iam esmaecendo, a ponto que, em certo momento, ela já não as enxergava.
Foi se entregando então, entrando no mar, tirou logo o longo vestido vermelho e, nua, abraçou a Posseidon, que já a aguardava, tramando possuir aquela que das espumas do mar nasceu, e que enlouquecia a muitos dos Deuses e mortais com seus encantos, enquanto Dionízio a encantara anteriormente pelo vinho, para que estivesse mais suscetível ao doce som de Pan, levado pela velocidade e sutileza de Zéfiro, feito este que se deu todo mediante a um acordo entre os deuses que tramavam tudo para a seduzir.
Ninguém resistia aos encantos da flauta de Pan, e sobre as influências do vinho das carícias sutis do vento, até mesmo uma Deusa poderia se entregar a estes encantos. Mas eis que enquanto Afrodite se entregava ao mar os três deuses também a cobiçaram e reclamaram ao Deus dos mares o direito de ela também possuirem, como já era antes acordado, pedido este negado por aquele que desejava um filho da Deusa, e que fechou as portas de seu palácio, tornando os mares tão furiosos que seria impossível aos três deuses chegarem até o mausoléu das águas.
Então Pan tocou sua flauta novamente, mas desta vez um som bruto, agressivo, e que foi carregado sobre o oceano todo por Zéfiro, de forma a ecoar em cada canto do palácio marinho a ponto de atingir os ouvidos da Musa que despertou de sua hipnose, sentindo nos lábios um amargoso sangue, que ora fora vinho, e uma fúria digna de alguém que estava prestes a perder algo muito valioso, e então afastando a Posseidon, disse que aquele trote não passaria impune, furiosa esbravejava-lhe todos os maus nomes do Hades e jurou que tanto ele quanto todos os homens sentiriam a fúria das mulheres de agora em diante e sempre em um determinado período, uma das fases lunares para cada mulher, para lembra-lo sempre do que tentara e qual preço haveria de pagar por tudo isso. E como tal maldição fez com que cada uma das mulheres tivesse a sua fase a seu tempo, o seu período fértil e, junto a isso, seu momento de fúria e caos sobre os homens. Assim cunhou-se o martírio mensal dos homens perante suas divas e musas, e assim foi a vingança dos deuses sátiros, que não sofreriam tais ameaças, visto que sua música e seu vinho têm o poder de encantar e embriagar as mulheres, continuando assim suas festas a estarem sempre repletas de belas ninfas e bacantes. E ainda hoje os homens inteligentes apelam a estes dois deuses, o do vinho e o da música, para conseguir dissuadí-las de sua fúria e possuir delas o que tanto Posseidon lutou e não conseguiu.


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Feito em uma noite em que o mar minha'lma engolia, e um pouco de mim se resolvia...

quarta-feira, 5 de setembro de 2007



Ó chuva! Sobre mim
cais, inunda,
por mais que eu confunda
Não sinto um fim. 

Sei que tu, eu sinto,                                                  
me muda,e assim me 
desnuda, como se
O que sou fosse extinto

E o instinto grita
Me faz fera
ferida, que ruge austera
E que luta, se irrita

Essa chuva que me devolve
à brava natureza
deixa-me a incerteza
de tudo aquilo a que envolve!

É tempestade, tormenta
uma luta incessante
que ao meu coração amante
intriga e ao mal fomenta.

Chuva, vá, vá embora
e devolva a mim o que sei,
pois, desde que vos versifiquei
Tudo cá, cá dentro chora!